quinta-feira, 16 de maio de 2019

VINTE MINUTOS DE AMOR.



Epílogo.


Ensopado de suor e ainda ofegante, recuperando-se do esforço feito, Donald acende um cigarro, coça o saco, e, arrumando a cueca, olha com desprezo para a puta, que exausta e desvalida, ainda em pleno gozo, o admira com paixão.
Por pena, ainda pensou em lhe dá uns trocados, mas não viu justiça nesse gesto, afinal ela se divertiu bem mais que ele.
Que tipo de mulher era aquela, as brasileiras são fogosas, pensou, mas nunca tão submissas, tão vulneráveis... Tão entregues.
VA-GA-BUN-DA!!! (Queria gritar, mas se conteve, tinha decoro... Um nome  zelar, é o que achava).
Abriu as cortinas do quarto oval e deixou a meretriz se vislumbrar e reconhecer o quanto era lindo o seu país. Para ela, foi como se tivesse lhe coberto de jóias.
Em êxtase, maravilhada, nem sentia o quanto lhe  doía as entranhas e as assaduras causadas pelo atrito, ela só pensava em o quanto foi intenso e encantador aquele momento. Por um instante se sentiu amada.
Interrompeu o silêncio e, em meio a um sorriso desconfortável, pois os fiapos de manga presos entre os dentes lhe incomodavam, perguntou:
FOI TÃO BOM PARA VOCÊ COMO FOI PARA MIM????
Donald sorriu disfançando a ironia, de uma forma ao mesmo tempo sedutora e sarcástica (esse dom que só os cafajestes possuem), e respondeu, com uma voz melidrosa:
FOI MARAVILHOSO!!! É Melhor já ir se acostumando...

terça-feira, 3 de janeiro de 2017

BARBÁRIE NÃO É JUSTIÇA.



Fui assaltado próximo a cabeceira da ponte do São Francisco. O meliante passou por mim, me escolheu como vítima e retornou para me abordar. Encostou uma faca enferrujada no meu braço, o que resultou em um corte superficial pois a manga da camisa impediu que a lesão fosse mais profunda. Mas, era o meu anjo da guarda estava de plantão e no mesmo instante um carro parou metros a frente e um homem saiu atirando para cima e rendeu o assaltante. Era um policial, do tipo que honra sua farda, estava indo para se apresentar no trabalho em seu carro particular, viu a situação e poderia simplesmente ter ignorado, mas lembrou de seu dever.
O policial deitou o assaltante no chão, enquanto um outro cidadão que desceu de outro veículo trouxe uma amarra de plástico para algemá-lo. Apenas alertei os dois que o criminoso escondia a faca nas costas. A partir desse ponto a história começa a ficar bizarra.
Uma dezena de motoqueiros parou ao lado e com seus capacetes na cabeça começou a agredi com chutes e pontapés o assaltante. O policia pede calma e tenta deter os motoqueiros, enquanto um grupo de trabalhadores de uma obra se aproxima com cabos de aço na mão e dão uma surra com estes no bandido, e ameaçavam enforcá-lo na ponte O policial já demonstrava aflição, quando um dos motoqueiros me perguntou:
-TU NÃO VAI DÁ NEM UM SOCO NELE???
Muita coisa se passou na minha cabeça, como o fato de saber que o único rosto que o ladrão lembraria seria o meu, de ter que responder processo por participar de uma chacina, e de que aquilo não era certo e nem a melhor coisa a fazer. Respondi apenas: “O cara já está muito machucado, não preciso fazer isso.”Nesse momento o assaltante olhou diretamente para mim.
O linchamento continuou, o policial com a farda toda amarrotada se esforçava para impedi o pior. Sabia que no final das contas ele seria prejudicado. Para a sua salvação passou uma viatura no sentido contrário da pista.Vendo que o bandido estava sendo agredido, os policiais da viatura gritaram que não podiam parar e que teriam que fazer o retorno  no Centro, no que levaram mais de meia hora...
Quando chegaram foram logo pegando o meliante do meio da turbe enlouquecida e deram o corretivo de sempre. O primeiro policial pediu que eles assumissem a responsabilidade pela prisão e disse que arranjaria uma desculpa pelo atraso e por está com a farda amarrotada quando se apresentasse no comando.
Fui na viatura sentado no banco de trás ao lado assaltante para fazer exame de corpo delito no Socorrão. Conversei com ele, dando aquele sermão do tipo,”Cara,o que tu está fazendo de tua vida,etc,etc.” No Socorrão, assisto uma cena meio nonsense, fui atendido por um médico garotão cercado por cinco jovens enfermeiras, num clima total de balada, parecia que eu tinha descido de paraquedas no site de gravação de algum filme erótico. O médico para agravar a situação do assaltante atestou um corte de dez centímetros de profundidade no meu braço.
Eu sabia que mais cedo ou mais tarde aquele assaltante estaria de volta ás ruas. Através de conhecidos da policia monitorei todas as movimentações dele até quando foi liberado três meses depois para responder o processo em liberdade. Processo no qual foi inocentado, posto que foi acusado de roubo (e não da tentativa) e o crime não se consumou, pois ele não conseguiu subtrair nada de mim.
Três anos depois, eu me encontrava em um comercio da vizinhança que freqüento sempre, quando um rapaz bateu em meus ombros e perguntou: “Está lembrado de mim???”, Eu, que sou péssimo fisionomista, não fazia a menor ideia de quem se tratava...Ele se apresentou: “Sou o cara  que te assaltou naquele dia...Desculpa aí, eu usava muita droga naquela época...e mais uma coisa, eu queria te agradecer por que tu me considerou,  tu não quis me bater...” O cara antes de sair ainda alertou: “ Fica tranqüilo, eu nunca mais vou mexer contigo...” e de fato, certa vez me vi sozinho na rua, vi um suspeito se aproximar, reconheci que era ele, ele apenas me cumprimentou e seguiu seu caminho.
Agora, fico imaginando: Como seria um final da história, se eu tivesse entrado na onda e dado uns socos no assaltante????



quarta-feira, 1 de junho de 2016

SAUDADES.*




SAUDADES.

Pai, um dia o senhor me contou que a sua primeira recordação, de “quando se entendeu por gente”, foi a de estar vestido de uma camisola branca, que de tão longa o fazia tropeçar na bainha os seus pés descalços. Que estava de pé, em frente a porta da casa de seus pais, lá no interior.

E assim, foi a sua vida...

Vestiu-se de branco com o seu jaleco e o usou enquanto teve forças. Fez de sua profissão um sacerdócio, e sempre esteve de prontidão para atender os mais necessitados.

Tropeçou as vezes, porque tropeçar faz parte do caminho.

Fez da alegria a sua marca e marcou a todos nós com o seu sorriso, que hoje tem o nome de “saudade”.

Me lembro das madrugadas em que, quando de longe ouvia o som das matracas e pandeirões, me colocava em seu ombro, segurava as mãos do meu irmão e ia seguindo a toada até encontramos a brincadeira. E foi assim que aprendi a valorizar as coisas da nossa terra.

Me lembro também de outra madrugada, em que me acordou e abriu a janela, só para vê uma estrela que brilhava de forma singular. Um brilho intenso, que nunca esqueci e desde então passei a prestar mais atenção no céu.

Não quero falar de faltas, de dor ou de ausências. O amor é maior do que tudo, é maior do que nossas escolhas, e é só o que fica, é o que ninguém pode tirar de nós.

Hoje, sei que estás diante da porta de entrada da morada do Pai, com vestes brancas e pés descalços, despojado de todas as amarras do mundo material.

Leva as nossas orações e nosso perdão, que a Nossa Senhora lhe guie e interceda em seu favor e que Deus tenha misericórdia de sua alma e lhe dê a absolvição de seus pecados. É o nosso desejo sincero que Jesus Cristo o receba de braços abertos no paraíso.


*Carta de despedida ao meu pai, lida na missa de sétimo dia.

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2016

A DÚVIDA.


Luciano batia o pé no chão com impaciência. Percebendo a sua inquietude, pedi que nos preparasse um suco de laranja. Enquanto Luciano se ocupava na cozinha, aproveitei para telefonar para a Juliana:
— Oi Juliana, você está muito ocupada agora?
— Um pouco.
— Bom, um pouco já é alguma coisa.
— O que aconteceu? - perguntou já preocupada - foi algum problema com o Luciano?
— Por enquanto não. Mas... eu acho que vou precisar de sua ajuda.
— Você está no apartamento dele? Me espere em duas horas, tá bom!
— Tudo bem.

Abri o volume e recomecei a leitura:

“ Leonardo sentiu que uma criatura lisa se enroscava em sua perna, subindo em seu corpo: era uma serpente!
— Dizem que há um sábio cego perdido por estas bandas. Por acaso é de você que falam?- indagou a serpente.
— Acho que não. É de outra pessoa que falam. - respondeu, como subterfúgio àquela conversa inconveniente - É verdade que sou cego, porém não estou perdido.
— Não estás perdido, então o que procura?
— Procuro a montanha onde Deus se senta para observar os prodígios dos homens.
— Realmente é de outra pessoa que falam. Não estou diante de um sábio.- provocou a serpente.
— O que você está dizendo?- disse Leonardo ferido em seu orgulho.
— Você não é um sábio pois, acredita em metáforas e coisas invisíveis. Todos os grandes pensadores sabem que Deus não existe. Deus nada mais é do que uma invenção dos homens para responder a seus anseios pelo divino, para explicar o que a razão não explica, para dominar as mentes mais evasivas. Deus é uma formula!
— Existe uma coisa viva no meu coração que se revigoriza por que creio em Deus. Eu tenho fé.
— É isso! É este o pressuposto para a existência de Deus: a fé! Deus só existe para os que acreditam nisso.
— De fato, Deus não existe. Deus é! Existir significa ‘projetar-se para alguma coisa’; a existência é um caminhar temporal sobre a terra, pressupõe começo, meio e fim, a relatividade, a transformação e a efemeridade. Eu existo para Deus por que caminho para Ele e, Ele está onde eu o busco, pois Ele é o meu destino. O Ser se consuma na essência, não tem começo, nem meio, nem fim. É eterno e imutável. Deus é o que sempre foi e o que sempre será. Não precisa existir para ser.
— Então, o que Deus é?
— Deus é tudo o que acreditamos que Ele é.
A serpente achou melhor atacar por outro ponto:
— Por quê você quer encontrar Deus?
— Por que ouvi de um anjo a promessa de voltar a enxergar.
— Você acha mesmo que Deus devia deixar de cuidar de coisas mais importantes, só para curar um pobre cego?
— Conhece a parábola da ovelha perdida?
A serpente calou por um instante. Havia fracassado novamente, entretanto, firme em seu objetivo, tentou mais uma vez:
— Acha que Deus é realmente misericordioso e justo? Como explica que Ele tenha salvo o seu filho e permitido que outras crianças morressem nas mãos de Heródes ?
— Tudo aconteceu para que se cumprisse a profecia.
— Então foi algo premeditado. E, essa profecia era mais importante do que a vida daqueles inocentes?
Agora foi Leonardo quem se calou. Tinha que encontrar uma resposta, mais qual? Não poderia deixar que a dúvida o dominasse pois, se sua fé fosse abalada não poderia alcançar Deus. Pensou um pouco e respondeu:
— Aquele menino não foi poupado. Para ele havia uma morte mais dolorosa e, foi por meio dessa morte que Deus pode salvar a vida de todos os mortais, inclusive a daquelas crianças que caíram nas mãos de Heródes.
Novamente derrotada, a serpente não se dá por vencida. Ainda restava o ardil da tentação. Provocou mais uma vez Leonardo:
— Você vai arriscar a sua vida para alcançar essa montanha. Eu posso curá-lo e lhe dar coisas preciosas sem lhe pedir nenhum sacrifício.
— Como assim?
— Aqui está.- disse a serpente e, em um passe de mágica Leonardo sente uma maçã pousar em sua mão - Este é o fruto da árvore proibida do Éden. Coma e seus olhos se abrirão e você será como Deus, conhecedor de todas as coisas, versado sobre o bem e o mal. Será mais sábio do que aquele menino que o humilhou, será mais sábio que Deus. Há coisas que os mortais desconhecem mas, se comer deste fruto terá o conhecimento em plenitude.
Leonardo, seduzido pelas palavras da serpente, levou a maçã até os lábios, prendeu-a entre os dentes e mordeu. Não era só a luz dos olhos que Leonardo procurava... Ele queria também as luzes do conhecimento, e, era verdade o que a serpente dizia. Quem comesse daquele fruto dominaria todas as ciências, teria o poder de criar e dominar novos mundos. Entretanto, Leonardo cuspiu fora o pedaço que havia mordido e jogou para longe o fruto proibido. Armou-se com um pedaço de pau e enfrentou a serpente:
— Chega de tentar o meu espírito! De que me adiantará ter todo o conhecimento se não terei paz com Deus que me ama com a generosidade de pai. Além do mais, o que me oferece é o poder fácil e, nada que se consiga sem luta e sacrifício vale a pena. Voltarei a enxergar por que estou lutando por isso, e ainda, se eu tiver que ser mais sábio do que sou, serei por meu próprio esforço.”
Embora tenha dado prioridade ao amor, Pe. Ivaldo não esquece a importância da fé. Esta é também fundamental para a vida cristã e, sem ela, o homem não alcança Deus. Neste sentido, podemos dizer que ‘todo aquele que crê será salvo,’ pois, só pode buscar a salvação quem espera por ela e acredita que Deus a propicia a todos os homens.
Neste ponto da narrativa encontramos um pouco da ironia do Pe. Ivaldo: nos deparamos com um animal fantástico ( uma serpente que fala.), questionando a existência de Deus. Uma situação um tanto quanto absurda. Porém, é na constatação deste absurdo que a nossa fé está sendo experimentada. A todo momento Deus nos coloca diante de coisas extraordinárias e, nós não nos impressionamos, não nos admiramos, achamos tudo tão corriqueiro e não percebemos que Deus a cada instante nos dá prova de sua existência, nos proporcionando os milagres do dia - a - dia.
Deus é apontado pela serpente como criação da mente humana. Há uma estranha inversão do binômio criador - criatura. Na verdade, quase todas as divindades que temos conhecimento na história foram criações da mente humana, por quê seria diferente com o nosso Deus?
A solução está em considerarmos que todas as outras divindades tiveram sua origem no elemento mitológico e, surgiram de especulações que as mentes primitivas faziam a cerca dos fenômenos naturais, e assim, atribuíam caráter divino às forças da natureza. Estes deuses sim, foram criações da mente humana.
Entretanto o Deus cristão, não só se manifestou diversas vezes, falando diretamente com os homens, como também, se tornou um homem e teve uma existência temporal, com nascimento, vida e morte e, cumprindo todas as promessas, que durante séculos se acumularam nos livros sagrados, trouxe ao povo a libertação, aos homens a salvação e, venceu a morte através da ressurreição.
A serpente questiona o amor de Deus: Se importaria Deus com um pobre cego, que embora tenha os seus méritos, possui um coração cheio de orgulho?
Deus ama como pai. Sendo assim, ama a todos os seus filhos sem distinção, e ama particularmente a cada um. O pai não deixaria de atender a um único filho, embora estivesse ocupado cuidando da prole inteira.
Também é questionada a justiça de Deus. Deus é realmente justo?
Considerarmos a justiça de Deus com parâmetros humanos é que talvez seja a grande injustiça. Como criaturas passionais somos acostumados a julgar de acordo com os nossos sentimentos e, até mesmo quando julgamos com a razão, não nos damos conta da enorme variedades de propósitos que podem haver nas ações divinas. Condenamos Deus por trazer benefícios as pessoas desonestas e impor provações aos justos. Se fossemos capazes de entender estes critérios, penetraríamos no sentido transcendental da conclusão de Ulpiano, que considerando a justiça como uma virtude, a define como ‘constans et perpetua volutas ius suum cuique tribuere’ ( vontade constante e perpétua de dar a cada um o que é seu.).
Por fim, Leonardo é tentado a receber tudo o que deseja sem que para isso tenha que fazer qualquer sacrifício. Aqui encontramos também uma referência à idolatria em seu sentido atual. Se nos curvarmos diante de outros Deuses, que sejam o dinheiro, o poder, o status, eles nos oferecerão tudo aquilo que almejamos sem nos pedir nenhum sacrifício, pelo menos aparentemente, pois, ao aceitarmos estas dádivas sacrificamos a pureza de nosso coração.
Deus nos pede um sacrifício. Deus nos pede o nosso amor, por Ele e pelo próximo. O que não seria pedir muito, se amar fosse tão fácil como parece...
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Trata-se de um fragmento do meu romance infanto-juvenil "Luzes na Retina" escrito entre 1991 e 1992( inédito).


sábado, 7 de março de 2015

O PALÁCIO DAS LÁGRIMAS


“Pai, por que chamam este prédio de “Palácio das lágrimas?”
Estavamos na esquina da Rua da paz com a Rua treze de maio, em frente ao casarão antigo, que fica defronte a Igreja São João, onde hoje funciona a Faculdade de Odontologia, que é conhecido por esse  nome  devidos as diversas  histórias  que  contam sobre este sobrado.
 Havia chuviscado um pouco, então me aproveitei para ilustrar a situação e encher a cabeça de meu filho de fantasias. Fomos até a escadaria da entrada do prédio e mostrei para ele as gotículas  espalhadas pelos degraus.
“Vê isso aqui? São lagrimas, lagrimas que nunca secam.”
Ele me olhou com desconfiança.
“É sério, isso faz parte de uma maldição.”-complementei.
Meu filho, que adora ouvir histórias, principalmente quando sou eu que as conto, fingiu acreditar e mostrou logo interesse.
“Uma  maldição, adoro história  assombradas.”
Comecei então pela história mais adocicada que conhecia, só para ver  a reação dele.
“Bom, era uma vez, uma menina que morava neste casarão, filha de um rico fidalgo que se apaixonou por um de seus jovens escravos. Quando o pai soube lhe deu uma surra daquelas e proibiu o namoro. A menina sentou bem aqui nesses degraus e chorou por horas. Quando o pai a chamou para entrar, ela lançou a maldição: ‘Meu amor vai viver para sempre, e enquanto ele viver  estas  lágrimas não secarão.’ Então ela continuou sentada, no mesmo lugar, dias e noites, sem dormir e sem comer, até que morreu. Fim!!!
“Pô, pai!!! isso não tem nada de assombrado, parece história de princesa...mostrou decepção. Achei  graça.
“Tá bom, vou te  contar uma outra  história, talvez desta tu gostes mais...
“Só quero é vê!!!”- me desafiou.
“Então aí vai. O dono dessa casa possuía um monte de escravos, dentre eles havia  uma escrava muito jovem e muito bonita, que atraia os olhares de todos e despertava fortes paixões. Um outro escravo se apaixonou por ela mas esta rejeitou o seu amor. Inconformado e cheio de ciúmes, o apaixonado  bolou  um terrível plano de vingança: colocou veneno nas refeições  que foram servidas  aos filhos do fidalgo e deixou o frasco escondido debaixo do travesseiro da bela escrava. Assim que o frasco  foi  encontrado, a pobre foi acusada pelos assassinatos e  condenada a forca. Ela jurou inocência e de nada adiantou. Enquanto era arrastada para fora do casarão, pediu piedade aos orixás de seu povo e rogou uma praga ao descer em  prantos pela escadaria: “Pelo tempo em que não for descoberto o verdadeiro culpado, estas lágrimas jamais  secarão’.Fim”
“Ah!, essa até que foi melhorzinha, mas nem um pouco assustadora!!!”
“Tu quer ficar sem dormir essa noite?  Então tá! Saiba que aí dentro se houve gemidos e gritos  horrorosos de pavor, tanto faz se for de dia e ou de noite (senti minha própria ironia, afinal estavamos em frente ao prédio da faculdade de odontologia, onde os alunos tinha aulas práticas com cobaias voluntários, e de fato se ouviam mesmo os tais gemidos e gritos, não de terror, mas de dor mesmo). Vamos lá, entremos, vasculhamos todos os cômodos e se tiver algum fantasma de plantão agora, pode ser que ele mesmo te conte uma história bem mais assustadora..”-falei fingindo seriedade.
Ele riu, mas achou melhor não arriscar.
“E fantasma lá sabe contar história, eles só querem assustar a gente!!! Não tem outra que seja assustadora de verdade?”
Tinha sim. Mas essa, eu estava guardando para o final.
“Olha, aqui já funcionou a “Escola Modelo”, os alunos ficavam apavorados quando era semana de  provas...”
“Que Chaaaato!!!”- protestou.
“Escuta essa: aqui já morou um português chamado Jerônimo de Pádua, ele  e o irmão vieram para o Brasil para fazer fortuna. Enquanto ele enriquecia com o tráfego negreiro e outras atividades, o irmão não obteve sucesso e continuou pobre. Jerônimo tinha como amante uma de suas escravas e com ela  teve vários filhos. Sabendo que os seus sobrinhos não seriam considerados herdeiros do pai, pela condição de escravo que possuíam, o irmão de Jerônimo tramou a sua  morte para herdar sozinho sua fortuna. Após o crime, herdou, não só a fortuna do irmão, obteve também como propriedade a mulher deste e os sobrinhos que passaram a ser seus escravos. O tio usurpador impunha maus tratos exagerado a família do irmão falecido. Porém, um dos sobrinhos descobriu a verdade e, indignado, arremessou o crápula por uma destas janelas e este morreu instantaneamente. O sobrinho foi condenado a morte e enforcado em frente ao sobrado, dizem que ainda hoje se vê o espírito dele dependurado naquela árvore ali,- apontei.- momentos  antes  de sua morte lançou a maldição sobre o prédio: ‘“Muitas lágrimas foram derramadas nessa casa por mim e pela minha família e elas jamais secarão e por toda  eternidade, esse sobrado será conhecido como palácio das  lágrimas.”
“Legal, dessa aí eu gostei, mas posso fazer uma pergunta?”
Uma pergunta, quando se está contando uma história para uma criança é algo muito delicado e elas sempre vão aparecer, faz parte do processo, então...
“Pode sim.”
“Pai, essa maldição só acontece nos dias de chuva?”
Para perguntas obvias tenha sempre na mão  uma resposta abstrata:
“Meu filho, esta ilha é cheia de mistérios...”







quarta-feira, 4 de fevereiro de 2015

OS PASSAGEIROS.



Viajando sozinho a noite na BR 135, minha missão, entre outras coisas, era levar um carro adquirido por amigo, de São Luis para Teresina. O carro era um PASSAT 72, totalmente reformado e modificado, o chassi original foi comprado em um ferro velho, ainda estava intacto, apesar de ter sido vendido após um grave acidente.
Já havia passado de Peritoró quando o rádio ligou sozinho em alguma estação local que só tocava aquelas canções melosas dos anos setenta, procurei outra estação e esta só tocava disco’70. O rádio voltou sozinho para a primeira estação.
Achei estranho, todavia não quis pensar no assunto. A estrada estava escura e chovia muito. Tinha que me concentrar na direção. Os caminhões passavam em alta velocidade jogando luz alta. Outro veículo se posicionou atrás de mim e pediu ultrapassagem, foi quando reparei no retrovisor alguma coisa diferente no meu semblante. Talvez por causa da escuridão meus olhos, que são verdes, pareciam castanhos e, tive a impressão de que minhas sobrancelhas estavam mais grossas e meu rosto mais corado...
Em um instante me vi sozinho na estrada, nenhum carro vindo em nenhum sentido da rodovia, apenas os meus faróis amenizavam a escuridão da estrada. Foi quando ouvi pela primeira vez... Parecia, no início, com um miado de gato. Não me incomodou.
Já na terceira vez eu tinha certeza, era um choro de bebê e vinha do banco traseiro. Já assustado espiava pelo retrovisor, não via nada além daqueles olhos que não eram os meus.
Com os nervos a flor da pele, desliguei o rádio e ele ligou de novo e, para minha surpresa vozes femininas, de dentro do carro acompanhavam as canções. Eu já estava para lá de assustado, contudo as coisas só iriam piorar. Atrás de mim, ouvi duas crianças disputando um brinquedo. Foi quando olhei diretamente para trás pela  primeira vez...
Por trás do banco do carona vinham uma adolescente de uns quinze anos, longos cabelos negros e trajando uma blusa rendada a moda dos hippies, segurava um bebê no colo, enquanto olhava para a vidraça e continuava cantando, atrás de mim dois meninos entre quatro e sete anos brigavam por um “Falcon”, um daqueles bonecos de ação da “Estrela”.
“Querido, preste atenção na estrada”- disse a voz feminina ao meu lado.
“Não se preocupe, meu amor!!!- respondi  instantaneamente, sem pensar. E foi sem pensar mesmo, pois estas palavras se quer se passaram em minha mente.
A mulher, ao meu lado, no banco do carona, aparentava ter mais de trinta anos, era bonita e me olhava com ternura e familiaridade. De uma forma estranha, também a vi com uma velha conhecida. Mais estranho ainda, é que eu deveria está apavorado, afinal de contas, aquelas pessoas não eram deste mundo. Porém, sentia uma espécie de alívio por estarem ali.
“Quem são vocês???” pensei em perguntar. A mulher apenas percebeu minha inquietação e perguntou: “O que houve querido?”. “Nada.” Respondi outra vez involuntariamente.
Percebi que ela me olhava, mas não via a mim. É como se houvesse outra pessoa no meu lugar, dirigindo o automóvel. Me dei conta, de  repente, que não era eu que devia está ali, que eu era o intruso. Olhei para o retrovisor, e aqueles olhos estranhos estavam lá, no lugar dos meus.
Foi quando aconteceu. Logo depois da curva um caminhão ultrapassando um carro de passeio, invadiu a minha pista e veio em alta velocidade em nossa direção. Os faróis do caminhão iluminaram todo o interior do carro e gritos pavorosos entoaram em minha cabeça.
Atravessei o caminhão como se fosse feito de fumaça, o carro derrapou e fui parar no acostamento. Olhei para trás e vi que os meus passageiros, estavam de pé na beira da estrada. A adolescente com o bebê no colo e a mulher segurando a mão das duas crianças. Sai do carro, não me importando nem com o medo nem com a chuva e fui de encontro a eles.
“Perdão!!!”, a palavra me veio involuntariamente a boca. Olhei para o chão, e vi sob os pés daquela família, cinco cruzes, daquelas que a gente vê o tempo todo na beira das estradas. Senti os olhos marejados, apesar da chuva.
Soube mais tarde, pelo meu amigo que adquiriu o veículo, que quase uma família inteira havia perdido a vida naquele carro, num grave acidente naquele mesmo ponto da estrada. Apenas o pai sobrevivera, vindo a falecer anos depois.
Retornei para o carro para continuar a viagem. Liguei o motor e acendi os faróis. Um senhor de aparentemente uns sessenta anos apareceu na minha frente. Este se aproximou da janela do carro e com um sinal me pediu para baixar o vidro.
Tinha os mesmos olhos que eu via no retrovisor, apenas com o semblante um pouco mais envelhecido. Sorriu  para mim e me disse em um tom sincero.

“Daqui para frente, que só Deus lhe acompanhe...”

sexta-feira, 2 de janeiro de 2015

O RAPTO DO MENINO JESUS


O causo que vou contar agora, apesar da estranheza dos acontecimentos, se deu umas daquelas pequenas cidades do interior do Brasil, onde as tradições se mantêm com grande intensidade e a fé, nos santos, nos milagres e nas promessas, permanecem por gerações.
Nas procissões as crianças se vestem de anjos e imitam o olhar devotado dos mais velhos, brincam de correr por entre as nuvens e de segurar na mão de Nossa Senhora.
Os pais, orgulhosos, por verem seus filhos repetirem, ás vezes a contragosto, os costumes que por gerações lhes foram transmitidos, ajoelham-se e renovam as promessas: “Paro ano é o meu caçula que vem de anjinho de Nossa Senhora...” e pronto, a tradição será mantida.
E promessa não tem medida. Se pede o que se quer e se promete, conforme a graça, o que vier na cabeça.Daí, a criatividade do devoto e a benevolência do santo é o limite.
O presépio da paróquia é um costume tão antigo, que parece que nasceu com a própria cidade. Na época do advento, toda a comunidade se reúne, junta a palha, e o monta ali, no meio do largo da matriz, o enchendo de luzes e fitas coloridas, e a cada ano tinha que ficar mais bonito e enfeitado.
As imagens de barro no centro representavam a cena da Natividade. Eram miniaturas de no máximo cinqüenta centímetros, e na manjedoura, na noite do natal seria colocada a imagem do Menino Jesus, esta majestosa, esperava dentro da igreja, num pequeno altar armado na sacristia. Foi assim que surgiu um costume próprio das crianças do local.
Depois da missa matinal, as crianças iam até a sacristia conversar com o menino Jesus. Bom, ele também era criança e as entenderia melhor que os outros santos, que eram adultos e não saberiam bem essas coisas de crianças. Nessas horas faziam suas promessas, pediam o brinquedo que queriam ganhar no natal, que os pais parassem de brigar, pra passar de ano, pra irmã mais velha deixar de ser chata, para ficar rico, inteligente e bonito, quando crescer, etc.
A paga das promessas também foi consolidada pelo costume. Na noite de natal, após a Missa do Galo, o pároco ia até presépio e colocava a imagem do menino Jesus na manjedoura do presépio, as crianças se aproximavam e o enchiam de boizinhos, vaquinhas e cordeiros de barro, papelão ou de madeira, e, conforme a graça alcançada e a criatividade das crianças, variavam o tamanho, cores e acabamento dos animais.
Ocorreu que em certo natal, quando as crianças se dirigiram à sacristia encontraram o altarzinho vazio, procuraram o pároco que de nada sabia. Foi um alvoroço em toda a paróquia, ninguém tinha explicação para o sumiço do menino Jesus.
A festa do natal estava ameaçada, muitas crianças não entenderiam uma providencial substituição da imagem do menino Jesus, afinal de contas foi  diante daquela imagem que fizeram suas promessas, se colocassem outra no lugar não estaria certo.Promessa é promessa, não se pode fazer arranjo.
A noticia se espalhou por toda cidade, e os pais faziam de tudo para que as crianças não soubessem do desaparecimento da imagem, ao pároco não restou alternativa senão procurar a autoridade policial.
O delegado chegou com sua equipe e isolou o local do crime, foi feita uma minuciosa perícia, mas nenhuma pista poderia solucionar o caso, tendo em vista que muitas pessoas já haviam estado ali.
O motivo do crime também era um mistério, a imagem não tinha nenhum valor econômico, era uma daquelas miniaturas de porcelana facilmente encontradas em qualquer loja de variedades. A única alternativa era se acaso alguém intentasse sabotar a festa do Natal, mas quem faria uma maldade dessas...
Não havia outro jeito, teriam que substituir a imagem do menino Jesus. A notícia se espalhou rápido e, como muitas crianças já estavam sabendo, não havia de ser diferente.
Durante a missa do galo os pais se comoviam com o olhar desolado das crianças, lamentavam profundamente o sumiço da imagem, alguns não se continham, praguejavam contra o desalmado que fez essa monstruosidade.
Na homília, o pároco aproveitou a situação para lembrar aos fieis o verdadeiro sentido do uso das imagens, que nada mais são do que mera representação daqueles que, com seu exemplo, nos inspiram na fé a seguir a vontade de Deus, e lembrou as crianças: “ Meninos, aquele menino Jesus,que ficava lá na sacristia, era só uma peça de porcelana, não era com ele que vocês conversavam, era com o menino Jesus, que mora no coração de vocês...” e assim foi o sermão, que se passou entre choros e soluços.
Encerrada a Missa do Galo, o pároco se dirigiu até o pequeno presépio armado na praça da matriz levando nas mãos a imagem substituta do menino Jesus. As crianças acabrunhadas o acompanharam trazendo consigo suas oferendas, os pais enternecidos seguiam com os olhos o pequeno cortejo.
No momento em que o padre ia colocando a imagem na manjedoura, chega um menino correndo de bicicleta e pede licença. O menino todo suado e bufando sem parar, devido ao grande esforço pra chegar a tempo, se aproxima do presépio e coloca um pequeno objeto na manjedoura.Era o menino Jesus desaparecido.Então pediu desculpa a todos e se explicou:

“É que eu pedir com tanto fervor, para o menino Jesus pra eu ganhar uma bicicleta no Natal, que quando fui agradecer, não me contive de tanta felicidade e  convidei ele pra dá uma voltinha...”